Por Vitor Nagai
A epidemia global do novo coronavírus, causador do COVID-19, fechou o mundo e isolou pessoas, mas reabriu as portas para o debate a respeito dos tráfico ilegal de animais silvestres e os chamados wet markets (“mercados molhados”).
Estudos científicos mais recentes indicam que tamanha epidemia teve início a partir de um morcego que entrou em contato com um pangolim – animal frequentemente encontrado nesse mercado de animais vivos em Wuhan, na China. Todavia, precisamos deixar as angústias da contemporaneidade e voltar no tempo para compreender o que aconteceu para chegarmos até aqui.
Na década de 60, após o Partido Comunista subir ao poder, deu-se início a um dos maiores desastres causados pelo homem na história – os dados indicam que, na província de Henan, uma pessoa a cada oito morria de fome. Lembrando que o governo era responsável por manter uma política estadista de produção alimentícia para uma população de aproximadamente 900 milhões de pessoas.
Diante da drástica situação que o país enfrentava e aproveitando os ventos da reforma econômica, em 1978 a China implementou a Reforma Agrícola. Grandes empresas assumiram as maiores propriedades e passaram a produzir comidas típicas como porco e frango, ao passo que os pequenos produtores tiveram sustentavam-se, como já faziam previamente às reformas, por meio da caça e criação de animais selvagens. Contudo, no intuito de reduzir a alarmante crise alimentícia o governo passa a apoiar esse tipo de subsistência, que passou a ser cada vez mais comum.
Contudo, como é de costume em governos autoritários, o Partido Comunista, por meio do Artigo 3 da ‘Lei de Proteção do Animal Silvestre, determinou que todos os animais são posses do Estado. Além disso, por meio do Artigo 17, estimulou-se a criação de uma indústria controlada, obviamente, pelo governo.
Desse modo, por meios de incentivos governamentais, a indústria da criação de animais silvestres tornou-se um negócio avaliado em bilhões atualmente. No entanto, o governo chinês conscientemente deixou de verificar a condições sanitárias nas quais a criação e venda desses animais acontecia e deixou florescer o tráfico ilegal desses animais – contribuindo para tornar esses mercados um ponto de confluência de animais de todo o mundo com potencial para carregar diversos vírus.
À primeira vista, a indústria do consumo de animais silvestres, aparenta ser economicamente vantajosa para a China. É preciso lembrar, no entanto, que apenas uma minoria poderosa consomem com frequência esses tipos de animais e eles são responsáveis por sustentar esse mercado. Em 2003, com a crise do vírus SARS, a China anunciou a suspensão desses mercados molhados – poucos meses depois, tudo voltou ao normal.
Após esse breve panorama histórico, fica a perplexidade: não só colocando a grande maioria da população, o Partido Comunista Chinês protege e sustenta o mercado do consumo de animais silvestres, colocando todo o planeta em perigo. Portanto, segundo diz o artigo do renomado ‘The Washington Post’: não culpe a ‘China’ pelo coronavírus – culpe o Partido Comunista Chinês.
Referências:
1. ZHANG Tao, WU Qunfu, ZHANG Zhigang, Problable Pangolin Origin of SARS-CoV-2 Associated with the COVID-19 Outbreak. Zhang et al., 2020, Current Biology 30, 1-6
2. CHINA’S GREAT FAMINE: THE TRUE STORY. THE GUARDIAN. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2013/jan/01/china-great-famine-book-tombstone>. Acesso em: 25 mar. 2020.
3. HOW WILDLIFE TRADE IS LINKED TO CORONAVIRUS. VOX. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TPpoJGYlW54&t=461s>. Acesso em: 25 mar. 2020.
4. LAW OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINE ON THE PROTECTION OF WILDLIFE. China. 1989.
5. FIRST SARS, NOW THE WUHAN CORONAVIRUS. HERE’S WHY CHINA SHOULD BAN ITS WILDLIFE TRADE FOREVER. LI J. Peter. Disponível em: https://www.scmp.com/comment/opinion/article/3047828/first-sars-now-wuhan-coronavirus-heres-why-china-should-ban-its. Acesso em: 25 mar. 2020.
6. THE CHINESE WILD-ANIMAL INDUSTRY AND WET MARKETS MUST GO. NATIONAL REVIEW. Disponível em: https://www.nationalreview.com/2020/03/the-chinese-wild-animal-industry-and-wet-markets-must-go/. Acesso em: 25 mar. 2020.
7. DON’T BLAME ‘CHINA’ FOR THE CORONAVIRUS – BLAME THE CHINESE COMMUNIST PARTY. THE WASHINGTON POST. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/opinions/global-opinions/dont-blame-china-for-the-coronavirus–blame-the-chinese-communist-party/2020/03/19/343153ac-6a12-11ea-abef-020f086a3fab_story.html. Acesso em: 25 mar. 2020.